sábado, 13 de junho de 2009

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Antígona julgava que não haveria suplício maior do que aquele: ver os dois irmãos matarem um ao outro. Mas enganava-se. Um garrote de dor estrangulou seu peito já ferido ao ouvir do novo soberano, Creonte, que apenas um deles, Etéocles, seria enterrado com honras, enquanto Polinice deveria ficar onde caiu, para servir de banquete aos abutres. Desafiando a ordem real, quebrou as unhas e rasgou a pele dos dedos cavando a terra com as próprias mãos. Depois de sepultar o corpo, suspirou. A alma daquele que amara não seria mais obrigada a vagar impenitente durante um século às margens do Rio dos Mortos.

Jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que reivindica, com legitimidade, novo status no cenário internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU.

Filha da Anistia tem como objetivo contribuir para que o Brasil avance na consolidação do respeito aos Direitos Humanos, sem medo de conhecer a sua história recente. A violência, que ainda hoje assusta o País como ameaça ao impulso de crescimento e de inclusão social em curso deita raízes em nosso passado escravista e paga tributo às duas ditaduras do século 20.

Nenhum espírito de revanchismo ou nostalgia do passado será capaz de seduzir o espírito nacional, assim como o silêncio e a omissão funcionarão, na prática, como barreira para a superação de um passado que ninguém quer de volta.

O Projeto

Filha da anistia é um projeto teatral que nasce da inquietação de compreender o mundo em que vivemos, onde as vítimas não são exceções, são a imensa maioria e como tal devem ser tratadas. E, apesar disso, são ignoradas, são condenadas a irrealidade, tendo ao seu redor o silêncio e a insensibilidade. Nem se tem conhecimento de sua existência. O que despoja as vítimas é o silêncio.

Após mergulhar nas memórias de histórias de pessoas que viveram e militaram na resistência à ditadura brasileira, nos mecanismos escassos de acesso a essas trajetórias de vida e luta política e estudar a relação da sociedade contemporânea com esse período, focados na perspectiva do desenvolvimento educacional em Direitos Humanos e História Brasileira, nos deparamos com uma necessidade urgente de contribuir de alguma maneira para a compreensão desse período.

Compartilhando do pensamento de Ernest Cassirer:...” a história é a essência do homem. O homem é um animal histórico, que se constrói na história que, por sua vez, não existe sem a memória. São as memórias compartilhadas que constituem a comunidade humana e as sociedades nacionais.”, pretende-se aqui somar aos tantos esforços despendidos por grupos de defesa dos Direitos Humanos ao longo dos últimos anos, uma reflexão artística que promova a discussão desse processo de apropriação da construção da democracia brasileira.

Aproveitando a chegada do 30º aniversário da Lei da Anistia, pretendemos convocar à reflexão principalmente as gerações pós ditadura brasileira, no que tange à apropriação histórica dos processos de formação da sociedade democrática brasileira em que vivemos atualmente.

A montagem mergulha na memória de um personagem que viveu e militou durante os anos de chumbo no Brasil, e que agora, precisa revelar todo esse passado, e suas mais drásticas conseqüências, para sua sobrinha, fruto de uma geração apática, despolitizada e que desconhece a história brasileira. Utilizando-se também de fragmentos de textos das tragédias gregas como Hécuba, Medéia e Ifigênia em Áulis de Eurípedes; Electra e Antígona de Sófocles, queremos propor a transposição de valores éticos e morais da construção do pensamento humanista, instigando no espectador uma reflexão sobre o tema.